Ontem andei às voltas pela cidade adormecida. Sabia que não voltaria à casa sem passar uma última vez pela Rua da Esperança. Desejei tanto que à entrada estreita houvesse um daqueles buracos que costumávamos praguejar, o caminhão do lixo a travar a passagem ou um qualquer obstáculo de última hora que me impedisse de atravessar o quarteirão, como era normal, mas nada disso aconteceu. Sem virar a esquina voltei para trás e dei comigo a pensar que raio de nome era aquele que se dava a uma rua e que aquela rua era a tua rua, e que eu já não passava de um transeunte desnorteado pelo adiantado da hora. Depois pensei que devia ter mais coragem, que é uma das coisas que perco ao pé de ti. Como um réu se levanta antes do veredicto, engoli em seco e virei à direita. Subi lentamente, quase por instinto, a rua apertada pelos prédios antigos da esperança. O meu coração bateu mais forte quando vi a tua janela aberta, a luz apagada, e aquele carro azul parado à tua porta, iluminado pelo candeeiro como uma peça de exposição. Foi nessa fracção de segundo, onde a imaginação deu lugar ao mais gélido vazio, que me morreste sem saber por quê, em plena rua da esperança. Ironia do destino, pensei, ou sarcasmo dos deuses?
4 comentários:
o destino dos deuses passou por aqui.
.
gostei.
muito e muito!
Não sei se dos deuses, se dos homens (ou das mulheres), mas que há coisas do destino, não tenho dúvidas. Só quem passou por isso pode compreender. Obrigada pela visita e por ter gostado destes meus desvarios.
Bjs,
Luz
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