sábado, agosto 23, 2008

Outono

Outono do amor 
outono de aves 
e de vozes caladas 
e de folhas molhadas 
de temor e surdo pranto 
(Camões)



Eucalyptus Leaves - Photo (c) Alma Lavenson


Quando a folha cair já não estarei por perto, de modo que podes dizer a toda gente que te deixei sem olhar para trás e sem razão aparente. 
Há em mim um cansaço de tudo o que não seja claro, como as razões porque não se escolhe o ser amado. Há em mim um sinal de fraqueza pelo fracasso constante de ser dois. Há em mim uma espécie de hábito (ou vício?) decalcado em cada traço dos nós que desfaço. Sei de antemão, e é por saber que não me atrevo a pedir perdão. De certa forma acho que tu sempre soubeste, mas isso nada mudaria, pois não? O ritual estava em marcha entre a caça e o caçador, e hoje foi o dia da caça. Passos demasiado rápidos nesse tango descompassado, e tudo volta ao mesmo: tu e eu, eu e tu. Nunca nós. Chego a pensar que o que amas em mim é apenas uma ideia, tão bela como a paisagem lunar vista de longe, tão árida e destituída de luz própria quando nela pousas. Dimensões interplanetárias nos separam e eu aqui tão perto (ainda…). Olha para mim como eu sou: far-te-á bem compreender que as razões, mesmo quando explicadas, são o que menos importa.


quarta-feira, agosto 20, 2008

Camadas de Prata

"La memoria y el olvido no son actos voluntarios" 

(Jorge Luis Borges)







Há marcas do tempo sobre a tua imagem, que não desaparecem como as palavras que escreveste. Ao contrário das palavras, as imagens são mais fáceis de assimilar e mais difíceis de esquecer. Guardo-te na memória como uma fotografia pálida cujos contornos se esvaem em camadas de prata. Só os negros profundos permanecem nítidos, em contraste com o que antes era luz. 

As palavras, mesmo as escritas, levou-as o vento...