segunda-feira, maio 26, 2008

Breu


Existe a noite, e existe o breu. 
 Noite é o velado coração de Deus 
 Esse que por pudor não mais procuro.





Breu é quando tu te afastas ou dizes 
Que viajas, e um sol de gelo 
Petrifica-me a cara e desobriga-me 
De fidelidade e de conjura. 
 O desejo Este da carne, a mim não me faz medo. 
Assim como me veio, também não me avassala. 
 Sabes por quê? Lutei com Aquele. 
E dele também não fui lacaia. 

 Hilda Hilst

domingo, maio 25, 2008

Segredo



"Vivo de um segredo que se irradia em raios luminosos que me ofuscariam se eu não os cobrisse com um manto pesado de falsas certezas."

Clarice Lispector

sexta-feira, maio 23, 2008

Para sempre

Photo (c) Manolo Martin


Às cinco horas da manhã acordei com o frio do teu corpo encostado ao meu, e um suave arrepio na nuca à medida que deslizavas a tua língua à procura da minha. De costas voltadas abri os olhos, e sem um único movimento parei o olhar na luz do candeeiro da rua, que espreitava, tremula, entre as frestas da janela, deixando um rasto prateado no chão de madeira. O teu perfume misturava-se com o hálito quente e embriagado das palavras sem nexo que sussurravas ao meu ouvido enquanto esperavas pelo meu gesto, que conhecias de cor. Voltei a fechar os olhos e num movimento lento dei-te o espaço que pedias entre o meu corpo e as tuas mãos, deslizando a minha boca entre os teus seios, aprisionada pelo teu desejo. A luz que trespassava a janela tornou-se mais intensa e a tua respiração húmida invadiu a minha pele com gemidos exaustos, até me libertares do teu delírio numa vertigem silenciosa. Quando finalmente adormeceste o candeeiro já se tinha apagado, dando lugar aos primeiros raios de sol. Olhei para ti antes de fechar a janela, e na imagem do teu sono tinhas o rosto iluminado. Como uma fotografia, procurei o teu melhor ângulo, afastei os cabelos que escondiam os teus lábios, e guardei-te naquele instante. Para sempre.


quinta-feira, maio 22, 2008

Papier Mâché

Photo (c) Annie Leibovitz


Numa tarde como essa, fria e chuvosa, disseste-me que não querias mais pintar, porque preferias ser feliz. Deitada no sofá da sala, com a cabeça sobre o meu joelho, olhaste-me em silêncio e eu soube que aquele momento era perfeito. O que é felicidade senão a tua mão na minha enquanto te aninhas ao meu colo entre gestos de ternura? Mas serias feliz sem a tua arte? E seria possível separar-te dela por um momento, em que preferes o amor a todas as amarguras que colas em papel machê? Passados tantos anos a única certeza que tenho sobre ti é aquela tarde. Mesmo quando vejo a evidência da tua infelicidade pregada em paredes anónimas, os teus olhos são os mesmos, mas as tuas mãos revelam que os momentos, há muito que deixaram de ser perfeitos.


domingo, maio 18, 2008

Um desvio no olhar



Nunca são as coisas mais simples que aparecem quando as esperamos. O que é mais simples, como o amor, ou o mais evidente dos sorrisos, não se encontra no curso previsível da vida. Porém, se nos distraímos do calendário, ou se o acaso dos passos nos empurrou para fora do caminho habitual, então as coisas são outras. Nada do que se espera transforma o que somos se não for isso: um desvio no olhar; ou a mão que se demora no teu ombro, forçando uma aproximação dos lábios. 

(Nuno Júdice)

sábado, maio 17, 2008

Comptine D'un Autre Ete-L'Apre



Ontem andei às voltas pela cidade adormecida. Sabia que não voltaria à casa sem passar uma última vez pela Rua da Esperança. Desejei tanto que à entrada estreita houvesse um daqueles buracos que costumávamos praguejar, o caminhão do lixo a travar a passagem ou um qualquer obstáculo de última hora que me impedisse de atravessar o quarteirão, como era normal, mas nada disso aconteceu. Sem virar a esquina voltei para trás e dei comigo a pensar que raio de nome era aquele que se dava a uma rua e que aquela rua era a tua rua, e que eu já não passava de um transeunte desnorteado pelo adiantado da hora. Depois pensei que devia ter mais coragem, que é uma das coisas que perco ao pé de ti. Como um réu se levanta antes do veredicto, engoli em seco e virei à direita. Subi lentamente, quase por instinto, a rua apertada pelos prédios antigos da esperança. O meu coração bateu mais forte quando vi a tua janela aberta, a luz apagada, e aquele carro azul parado à tua porta, iluminado pelo candeeiro como uma peça de exposição. Foi nessa fracção de segundo, onde a imaginação deu lugar ao mais gélido vazio, que me morreste sem saber por quê, em plena rua da esperança. Ironia do destino, pensei, ou sarcasmo dos deuses?


quinta-feira, maio 15, 2008

Une nuit après nous

(c) Alfred Wickel

Même quand nous dormons nous veillons l’un sur l’autre 
Et cet amour plus lourd que le fruit mûr d’un lac 
Sans rire et sans pleurer dure depuis toujours 
Un jour après un jour une nuit après nous 

(Paul Éluard)

quarta-feira, maio 14, 2008

Nature Boy



A magic day he passed my way 
And while we spoke of many things 
Fools and kings his he said to me 
"The greatest things you'll ever learn
Is just to love and be loved in return "

(c) Eden Ahbez


















terça-feira, maio 13, 2008

Blind Date



As pessoas já não são como no meu tempo… Quando saíamos à noite a preparação era uma espécie de ritual de acasalamento, onde tudo era cuidadosamente pensado, não fosse aquela ser “a” noite onde, quem sabe, iríamos encontrar o amor das nossas vidas…. Normalmente tudo começava com um jantar no Pap’açorda, seguido do religioso copo no Frágil, até serem horas da comunidade subir em apoteose a Rua da Imprensa Nacional (nunca antes das 2 da manhã), onde a Rosa Maria esperava-nos com ares de preceptora. Do porteiro ao barman toda gente se conhecia e se tratava por tu, entre beijos na boca e bons-dias do Pedro Lata, uísques, vodcas e um cheirinho de coca misturado com mil perfumes, suor e fumo, tudo embalado pelo génio musical do João Vaz, olhares de soslaio, engates furtivos, rapidinhas nas casas de banho e muita risada embriagada, até a Grace Jones mandar-nos embora ao som do la vie en rose anunciando a madrugada. Última dança, abraços anónimos, luzes a acender. Novas paixões e velhos casais à porta das padarias à espera de papos-secos quentinhos antes de caírem nos braços uns dos outros, exaustos de prazer, já quase de manhã. No meu tempo não havia carjacking nem blind dates, eu era feliz, e ninguém estava morto…




domingo, maio 04, 2008

Mimar você






(Caetano Veloso)


Te quero só pra mim 
Você mora no meu coração 
Não me deixe só aqui esperando mais um verão 
Te espero meu bem 
Pra gente se amar de novo 
Mimar você Nas quatro estações 
Relembrar 
O tempo que passamos juntos 
Bem bom viver 
Andar de mãos dadas 
Na beira da praia Por esse momento 
Eu sempre esperei

quinta-feira, maio 01, 2008

This is for you...




Crazy....crazy for feeling so lonely 
I’m crazy....crazy for feelin’ so blue. 
I know...you’d love me as long as you wanted 
And then someday, 
You’d leave me for somebody new. 
Worry...why do I let myself worry? 
Wonderin’....what in the world did I do? 
Crazy...for thinking that my love could hold you. 
I’m crazy for tryin’ Crazy for cryin’ 
And I’m crazy for lov’in you! 
Break..... Worry....why do I let myself worry? 
Wonderin’.....what id the world did I do? 
Crazy...for thinking that my love could hold you 
I’m crazy for tryin’ Crazy for cryin’ 
And I’m crazy ...for lov’in.....you.....