domingo, junho 01, 2008

Aurevoir, madame

(C) Pedro Casqueiro


Depois de fechares a porta e deixares as chaves ao pé do telefone, deitei mais uma dose de uísque sobre o gelo quase derretido, apaguei a luz e sentei-me em silêncio, sem nenhum pensamento sobre o que acabara de acontecer. A cabeça latejava ao ritmo do coração enquanto a garganta apertava, seca, e uma dor inexplicável contia as lágrimas que custavam a sair. Mais um golo, dessa vez mais longo, gelado, e sem desviar o olhar do cinzeiro cheio das beatas mal apagadas dos teus esseges senti a anestesia do álcool invadir-me aos poucos. Suave, dizia o maço vazio em cima da mesa, que estranho paradoxo...Se há algo que nunca existiu entre nós foi suavidade, mesmo antes de descobrires que eras muito nova para me amar como eu queria. Como eu queria, disseste, sem me dizeres como é possível amar de outro modo. Sem me dizeres como era o amor que tu querias. Como se eu não soubesse. Na estante, ao pé da janela entreaberta, fotografias da nossa primeira viagem a Londres, o teu sorriso tímido debaixo do chapéu-de-chuva em Regent Park, os olhos pequenos pela objectiva dentro a convidarem para um fim de tarde no quarto do hotel. O teu cheiro ainda impregnava a sala escura, o livro que deixaste marcado na mesa-de-cabeceira, os mesmos lençóis brancos onde na noite passada dormimos de costas voltadas, os cd espalhados, as roupas que depois passavas a buscar. Não sei quanto tempo permaneci assim, cercada de vestígios de nós, flashbacks de viagens e olhares e sorrisos e fotografias de quartos de hotel em ritmo de slideshow, até adormecer de cansaço. Acordei com o barulho dos eléctricos que protestavam com o carro que lhes travava a passagem. Depois de um longo suspiro levantei-me, percorri com o olhar o cenário de fim-de-festa, e por instinto iniciei o ritual das manhãs de domingo. Sumos de laranja, páginas do Expresso separadas na véspera, croissants de manteiga, chávenas de ristreto curto sem açúcar e duas aspirinas. Foi quando me dei conta de que não estavas a dormir até mais tarde, e que aquela manhã de domingo não seria igual a tantas outras. Só o alívio foi maior que a solidão.


16 comentários:

angelá disse...

Quem disse que a senhora não escreve????
Lindíssimo texto. Nem precisavas de ir para a minha oficina de escrita. É só não ser preguiçosa e escrever, escrever, escrever...

Beijo

P.S. A música tb me deliciou.

MM disse...

Bem, com uma leitora como tu, qualquer dia começo a pensar que sim... Mas não exageres, ou ainda fico toda vaidosa e aí é que vais ter que me aturar os escritos!:))

Beijos,
Luz

PS: essa música é um caso sério.
Simplestmente A D O R O !

angelá disse...

Bora lá.... já que estamos aqui:))))

angelá disse...

... mas agora reparo: ristreto curto com duas aspirinas, mulher???!!! onde vais assim?;)

MM disse...

LOL!!!:-)))))))))
Achas mesmo que faço disparates destes?! Bem, se calhar uma vez ou outra, mas tens que pensar que o contexto justifica a terapia de choque. Agora, os ristretos, ninguém mos tira, mas longos!...

angelá disse...

O meu comentário foi a brincar, claro! Mas o ristreto curto ...hum... é demais

SMA disse...

Muito familiar... sim... muito familar... pois... algumas coisas como ouvinte... outros como personagem e agora como narradora.
.
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E o futuro ja se escreve... também! Risos
.
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Qual seria esta figura de estilo... contar o futuro?!

;-)

bjo inte

MM disse...

Ai Presença, que códigos são esses?.. Are you talking to me? Olha, acho que vou mas é prá oficina da Ângela aprender mais sobre "figuras de estilo"!:))

Bj

PS: tem juízo!

MM disse...

Ângela, as aulas são em horário pós-laboral? Fazes desconto para as amigas virtuais?:))
Beijos,

Luz

angelá disse...

Pós-laboral, sim, Luz. Só há um problema... é a virtualidade. Irrita-me que tu nem sonhas! É pior até do que irritação. É aversão.
Mas como já te disse, escreve e não
não inventes desculpas;)

Beijos

MM disse...

Noblesse oblige ma chérie!... Não é que não sinta precisamente a mesma irritação. Tens alguma ideia?:))
Beijos
LDF

PS: tentarei corresponder às expectativas, mas sempre à espera das tuas sábias e bem vindas críticas e sugestões!

angelá disse...

Olha, Luz, ontem às 18h antes de ir para a oficina, recebi um sms de uma "aluna" a desculpar-se porque não ia chegar a tempo de Lx...rsrsrsrs Q achas? Senão sempre terás o TGV:)))))))

Bjs

MM disse...

Bem, se for esperar pelo TGV para as tuas lições!... Acho que podias começar a pensar num workshop de fds especial para as mouras cá do burgo:)))

Beijos

PS: não sejas preguiçosa!:))))

angelá disse...

Se me arranjares um sítio, é para já... Mas tem que dar para pagar as viagens...
Preguiçosa, eu? Onde foste buscar isso? Apenas passei a idade de querer agarrar o mundo todo nas minhas mãos:) Gosto do vagar...

MM disse...

Pois que vamos arregaçar as mangas e organizar o evento! Deve dar prá pagar a viagem (digo eu, sem consulta prévia à mouraria)... O sítio é o mais fácil. Pior é a concorrência com a Rita Ferro! LOL!!!

Bj.

angelá disse...

Ups... eu só consigo arregaçar as mangas entre as 4 e as 6 da tarde, pq o calor ainda não chegou cá...:)))))))))